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Os olhares falam as palavras que a boca não pronuncia, talvez esse seja afinal o nosso sentido mais apurado.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

côcco qui balança, cai.


“Quando partires, em direcção a Ítaca, que a tua jornada seja longa, repleta de aventuras, plena de conhecimento. Não temas Laestrigones e Ciclopes, nem o furioso Poseidon; não irás encontrá-los durante o caminho, se o pensamento estiver elevado, se a emoção jamais abandonar o teu corpo e o teu espírito. Laestrigones, Ciclopes e o furioso Poseidon não estarão no teu caminho, se não os levares na tua alma, se a tua alma não os colocar diante dos teus passos. Espero que a tua estrada seja longa. Que sejam muitas as manhãs de Verão, que o prazer de ver os primeiros portos traga a alegria nunca vista. Procura visitar os empórios da Fenícia, recolhe o que há de melhor. Vai às cidades do Egipto, aprende com um povo que tem tanto a ensinar. Não percas Ítaca de vista, pois chegar lá é o teu destino. Mas não apresses os teus passos; é melhor que a jornada dure muito anos e o teu barco só ancore na ilha quando já estiveres enriquecido com o que conheceste no caminho. Não esperes que Ítaca te dê mais riquezas. Ítaca já te deu uma bela viagem, sem Ítaca, jamais terias partido. Ela já te deu tudo, e nada mais te pode dar. Se, no final, achares que Ítaca é pobre, não penses que ela te enganou, pois sem ela, nunca te tornarias um homem sábio e experiente.”

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

you hold me without touch.


"O mais estranho, é que gosto mesmo de ti. (...) A tua lembrança é um prazer que desliza, surripiando-me; chegas de repente, agradável como uma brisa quente ou uma boa notícia, e eu imagino-nos cenários, não amorosos, mas, de circunstância: encontros fortuitos, casuais, um pequeno-almoço, um relance de carro, um telefonema, uma gargalhada, um encontro de pulsos, de tornozelos. Não me iludo, não é disso que se trata: apenas te construo em mim, uma e outra vez, como uma primeira dentada antecipando a gula, lenta e deliberada. Há momentos em que te conduzo para sítios bonitos de cartaz, como jardins secretos e praias desertas, e onde te vejo ao meu lado como se estivesses mesmo. Ali, entabulo conversas, contradigo-te e acotovelo-te, deixando que me faças cócegas e me olhes longamente, como os casais nas fotografias. Encontro-te no estame de uma flor, na caruma dos pinheiros e na linha do horizonte: basta-me olhar com atenção. E cheiras sempre bem: uma mistura de pólenes, resinas e maresias, da qual sobressai o travo adocicado do desejo, quieto como as nuvens mais altas. E é esta perenidade mansa, que não reconhece o escavar do tempo, que não pede retorno e se basta em si mesma, que às vezes me inquieta e assusta, nem sei bem porquê. Acima de tudo, enterneces-me. "