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Os olhares falam as palavras que a boca não pronuncia, talvez esse seja afinal o nosso sentido mais apurado.

domingo, 25 de março de 2012

Não se diz

O desejo é uma coisa engraçada a que se dá pouco apreço.
No amor todos querem espetar o dedo, como quem gira um globo e o pára só para dizer "Estive aqui".
Do desejo fala-se pouco: lavam-se as mãos de “Não fui eu” e varre-se para debaixo do tapete, desligam-se as luzes, porque ai de quem lhe veja os olhos.
Não se fala do seu lado lunar, pulsando vaidades animalescas e sensações de êxtase.
O amor ensina-se às crianças; sexo tem idade. Se aos 10 fala de sexo, é prematura e dir-se-á promíscua até aos 30.
Contam-se romances e interioriza-se que o amor é uma coisa tão agradável, que não lhe bastam todas as metáforas nem suficientes lhe são todas as líricas intemporais.
O amor é como um sumo de laranja natural, apetece.
A imagem de um casal idoso que dá as mãos, passeando na rua, comove mundos. Imaginam-se enredos, de uma paixão proibida, assolapada, restringida, e um amor que vinga incondicional e independentemente.
Os contos exigem uma coerência que o desejo não tem.
Desejo-te. Não se diz. É comprido demais, tem muitas sílabas, não fica bem em inglês e certamente se perde nas traduções.
Roça o pornográfico se virmos por línguas espanholas e cai em desuso, porque é áspero.
Faz parecer que não se gosta de uma pessoa: queremo-la. E se "quero-te bem" é amoroso e insonso, "quero-te", assim, sozinho, desnudo, já parece capricho.
O amor é altruísta (coisa bonita). Existe para lá do corpo e... morre sem ele.
Porque dêem-me quantas líricas queiram, poética que o seja, não vejo amor sem desejo. Sem um agarrar de unhas cravadas nas costas dele, porque se o deseja por inteiro.
E porque é o que mais nos aproxima dos animais, é o que mais nos assusta. Julgamo-nos tão racionais e, no final de contas, tão especiais, que nos esquecemos que é o desejo que nos alimenta o amor. Impropriamente, o Amor Próprio - rei de todos os outros.

(adaptado)

1 comentário:

  1. Eu não devia estar a publicar isto, mas vou ser egoísta: Não me fizeste companhia de uma forma, fizeste de outra.

    Este é o meu favorito.

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